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Peça do Amor Interno

  • Maria Inês
  • 28 de out. de 2015
  • 12 min de leitura

Peça do ator interno


Maria Inês Zimiani Vicente


Ela-

O mundo tem formas de nos surpreender, as vezes de forma boa as vezes da pior forma possível. O dia a dia tem um jeito especial de deturpar as nossas ações e intenções, nunca sabemos o que realmente nos cerca. Nessa realidade sombria precisamos estar preparados para o inexplicável porque quando o pior de nós vem a superfície não há fundação que não se abale.


Cena 1 - Acordando, um dia comum

Sonha, acorda, levanta, come, se troca, abre a porta, dirige, chega, empurra, marcha, senta, escreve, calcula, pisca, come, trabalha, desliga, caminha, chega, limpa-se, respira, dorme.

Enquanto caminha olha para baixo, nunca para os lados, muito menos para frente.

Enquanto trabalha não ri, não escuta e não enxerga ninguém.

Sempre só quando come se distraindo vez ou outra com alguém derrubando a comida em si mesmo.

Seu trabalho é importante, é responsável pelo cálculo da depreciação de todos os bens da empresa.

É sempre sério.

Mas quando quer se divertir assiste ao programa policial da noite se entretendo com os barracos.

E quando está cansado da rotina, dorme e sonha e então acorda e se lembra de em seguida dormir, sonhar e acordar.

Só isso, dormir, sonhar e acordar. Dormir, sonhar ...

Com um lugar cheio de urubus em uma relva com o fundo colorido das luzes da cidade.


Cena 2 - Não sou eu quem está falando

No meio dessas atividades corriqueiras encontra-se uma resistência, algo que já não funciona tão bem, esse é o reflexo tomando consciência de sua própria existência e impotência perante o dono de seu corpo.

Buzz Buzz Buzz ( som do despertador)

Ele - Já é hora? Parece que deitei a 5 min.

Outro - Quanta chuva, não vai dar pra ir andando pro trabalho não. O que eu queria mesmo era nem ir!

Ele - Hora de acordar! Força, tirar esse gosto de podre da boca e ir trabalhar.

Outro - seria bom tomar uma vitamina antes de ir, a tempos não como um bom café da manhã.

(Sai do quarto em direção a porta.)

Outro - tem leite na geladeira e banana na fruteira (olha o relógio) dá pra fazer, só vou chegar um pouquinho atrasado.

(Caminha rapidamente pra rua.)

Ele – (dentro do ônibus) Com licença, com licença, eu vou descer nesse ponto! (todos dentro do ônibus gritam para motorista, mas ele só para no próximo ponto).

Outro – devia ter passado por cima das pessoas agora tenho que caminhar 5 quadras na chuva, transporte público de merda!

Ele – droga to todo molhado, tenho que me lembrar de ficar perto da porta na próxima vez.

Outro – olha essas mulheres passando com essas roupas molhas e grudadas no corpo, que tesão!!

(entra no prédio sem falar com ninguém, fica em sua sala e trabalha a manhã inteira sem desviar o olhar. Chega a hora do almoço e ele vai no restaurante de sempre)

Ele – ta fechado que estranho! Fechado por luto, nossa quem será que morreu?

Outro – quem se importa se alguém morreu, ta perdendo dinheiro idiota, agora vou comer onde? O outro restaurante aqui custa os olhos da cara.

(nesse momento uma moça sai do prédio da firma e ele a segue com o olhar de bobo, ela entra no restaurante, ele sem nem pensar entra logo em seguida e se senta perto dela a ponto de poder ouvir sua conversa)

Outro – Merda! Calma, hoje ela vai saber quem eu sou.

Ele – consigo sentir o cheiro de seu cabelo daqui, ah como é bonita a visão do seu ser.

Ela – Ontem foi incrível! Ele me surpreendeu com um buque de rosas e depois me levou em um restaurante com a melhor comida que já comi na vida! Foi tudo tão romântico.

Ele – você estava com outro ontem? Não se preocupe meu rouxinol eu entendo que ainda não tenha percebido que sua felicidade esta aqui.

Ela - amanhã mesmo já vou procurar vestido de noiva!

Ele – perdi minha chance, espero que você seja sempre muito feliz, meu amor.

Outro – noiva! Acho que eu tenho um casamento para estragar!

Cena 4- Minha desgraça é só minha


(de volta ao escritório)

Ele – porque você foi querer comer naquele restaurante? O garçom de lá me odeia! Meu amor por favor leve mais em consideração os meus sentimentos.

Outro – preciso dizer que a amo o mais rápido possível.

(vai correndo para o banheiro, está de piriri. Enquanto lava as mãos escuta uma voz)

Ele - Escutei uma voz (olha em volta e não vê nada)

Ele - Que sensação estranha (olha em volta de novo)

(Nada – Silencio – mas a voz continua)

Ele - Tem alguém ou coisa aqui (respira fundo)

Ele – (olhando para o espelho) Susto, sou só eu no vidro

Ele – ( fica por um momento se observando) Que cara de reprovação que tenho

Outro - seu imbecil

Ele - Ãh?

Outro – seu imbecil

Ele – tô ficando louco. Para com isso

Outro – seu imbecil

Ele - Não faço nada de errado na vida para me tratar assim

Outro – hahahahaha Patétcio

Ele – é sério, não sei quem está ai mas não tem o direito de falar assim comigo

Outro - Hahahahaha

Ele – eu não mereço isso, sou uma boa pessoa

Outro - Se você diz. Eu não acredito

Ele - O que você quer?

Outro – se assuma, ou suma.

Ele – O que você diz? Não preciso, eu sou eu, o tempo todo sou eu, quem tem que dizer quem é, é vc. Eu já sei quem sou.

Outro - Está vendo este cara na sua frente? – me olhe! ( o espelho pula)

Ele – sou só eu na minha existência patética que não é amado por ninguém

Outro – que melancolia. Quando olho para a frente vejo um amontoado de nada – sim é você

Ele - Suas palavras queimam meus ouvidos mas não me afetam

Outro - se esqueceu como é sentir. Mas se queima é porque algo arde forte

Ele – não há fogo em nada

Outro – Apenas se estiver morto seu tolo

Ele – ainda respiro

Outro - Se acha o bastante. Ainda não sabe quem sou?

Ele – estou distraído

Outro - Seu medo me dá nojo, seria capaz de te socar até não poder mais respirar

( sua mão se fecha e se levanta como se fosse dar um soco)

Ele – Não! Sem violência

Outro - Você é retardado?

Ele – pra que incitar tantos desejos que devem ficar bem enterrados?

Outro – você ch que os santos vão para o céu pelas suas ações ou pelos seus pensamentos?

Ele – não me aborrece

Outro - Deixe de ser uma bosta pisoteada, apodrecendo o horizonte

Ele - Sou apenas como um lago que um dia foi oceano

Outro - Ou um vulcão dormente prestes acordar, use de todo o ar que possui para algo que preste

Ele - Quer que eu saia por ai chutando latas de lixo e enfiando o canivete no pescoço dos outros?

Outro - Quero que diga a seu vizinho que não gosta de música a 1h da manhã

Ele – filho da puta

Outro - Quero que mande a velha do ônibus calar a boca

Ele – velha do caralho

Outro - Quero bata no garçom que te serviu comida podre!

Ele - retardado

Outro - Quero que diga oi para ela

Ele – e depois o que?

Outro - E eu preciso dizer? Foda-a

Ele - Com ela eu faria amor mas isso não importa, ela já tem um homem ao seu lado e ele a faz feliz

Outro - Patético, continua imaginando os dois se lambuzarem um no outro e você olhando pelo buraco da porta

Ele – você é doente

Outro - Vendo o corpo lindo dela sendo percorrido pelas suas mãos firmes, quer dizer, pelas mãos dele

Ele – não, estaria lá com a boca nos seus peitos perfeitos!


Cena 5 - Vivendo de novo

( sai do banheiro com chama nos olhos, se dirige para sua sala e no caminho um colega o para para entregar mais trabalho)

Eles – quer que eu concerte a sua merda de novo? Eu tenho que refazer esses relatórios todos os meses porque você não é capaz nem de aprender a soletrar seu nome!

(joga os papéis no chão)

Eles – quando aprender pra que serve seu cérebro me procure (volta para sua sala)

( volta a trabalhar e mas não consegue trabalhar, meche nos papeis buscando algo pessoal naquele ambiente. Sai de lá como um foguete e vai até a sala do chefe)

Eles – olha só quem não está trabalhando!

Chefe – controle seu tom rapaz, agora volte ao seu trabalho

Eles – acho que não! Vim apenas dizer que tenho revisado algumas das nossas declarações de renda e vi que você tem alterado o meu trabalho para pagar menos imposto.

Chefa – como ousa me acusar dessa forma! Feche a porta, vamos conversar direito.

Eles – você quer privacidade? Todos sabem que é um ladrão. Mas não vim te acusar, vim te dizer que tudo nessa firma me da asco e não quero voltar mais.

Chefe – se é só isso então passe no RH e mantenha sua dignidade mantendo sua boc fechada, essa empresa é limpa e você só nos difamaria com esses boatos.

Eles – você não vai se livrar assim tão fácil de mim não. Já gastei muito do meu tempo aqui para sair assim, como eu disse você esta mentindo para a receita e eu tenho as provas, mas não se preocupe não quero denuncia-la.

Chefe – melhor pensar bem no que dirá em seguida meu rapaz, esta pisando em aguas perigosas.

Eles – não preciso pensar, pois você não tem escolha. Não virei mais trabalhar mas não serei demitido, na verdade receberei um aumento de 120%. Não é mesmo?

Chefe – olha só quem resolveu mostrar a cara! o esquisito do escritório é na verdade um moleque abusado!

Eles – falando assim de mim eu ate me sinto acolhido por esse lugar novamente, mas não ficarei. Espero meu aumento semana que vem!

(sai cantando e chutando o lixo de todas as mesas por onde passava. Na porta do prédio, encontra Ela, sem se preocupar vai até ela)

Eles – olá linda, parabéns pelo noivado!

Ela – obrigada, acho, eu te conheço?

Ele – não precisa se prender a esse tipo de formalidade, tenho algo muito importante a lhe dizer, por favor me acompanhe.

(passando o braço pelo seu obro a leva para fora do prédio)

Ela – por favor, eu estou ocupada tenho que voltar ao trabalho.

Ele – o trabalho pode esperar, você verá. Hoje é seu dia de sorte. Me acompanhe.

Ela – desculpa mas isso está muito estranho, eu não vou a lugar nenhum.

(nesse momento um homem acaba de estacionar seu carro na rua, quando passa pelos dois recebe um soco no estomago largando as chaves. Ele agora com as chaves, segura no braço dela e a coloca dentro do carro. E sai)

Ela – o que você esta fazendo??

Ele – não se preocupe, isso será tudo para o seu bem. Mas já que vejo que esta agitada vamos ver se posso te ajudar. ( abre o porta luva e lá encontra uma silver tape) ah perfeito!

Ela- achei que disse nada aconteceria comigo.

Ele – não eu disse que estava com sorte, mas também nada de ruim ira acontecer!

(Ele então amarra seus pés e braços e continua dirigindo)

Ela – pra onde estamos indo?

Ele – para um lugar especial para você e logo será especial para nós


Cena 6 - Um lugar chamado coração

(chegam em um lugar bonito com árvores onde de longe é possível ver a cidade agora com as luzes acessas)

Ele – chegamos, vou te tirar do carro espere um instante

Ela – por favor me deixe ir embora, me solte e podemos esquecer que isso aconteceu.

Ele – para que esquecer? Venho te observado de longe a tanto tempo que não quer que esse momento passe nunca. Agora venha, sente-se aqui comigo.

Ela – Eu não te conheço, me deixe ir.

Ele – querida isso não é um problema, não há nada mais lindo que amor à primeira vista não é mesmo? Não sabemos nada do ser amado ainda assim ele é capaz de mudar seu destino.

Ela – está dizendo que me ama e por isso me amarrou e trouxe aqui?

Ele – te vejo todos os dias há 8 meses e já conheço todos os seus sorrisos, todos os penteados de seu cabelo devo dizer que o mais bonito é quando você acorda.

Ela – quando eu acordo como assim? 8 meses? Mas eu nunca te vi!

Ele – não se apegue a detalhes já disse que isso não importa. Me diga, reconhece esse lugar? É aqui que seu primeiro namorado te trouxe, pra roubar de você sua virgindade e de mim a possibilidade de ser seu único. Ah se tivéssemos nos conhecido antes!

Ela – você falou com Ramom? O que fez com ele?

Ele – ele não importa. Este lugar vai fechar um ciclo para você, e aqui se iniciará o nossas vidas juntos

(chega bem perto de seu pescoço lhe da um beijo em seguida beija sua boca, ela se contorce tentando se livrar dele)

Ele – ah !! seu cheiro é tão bom!! Acho que estou bêbado do seu amor, hoje nossos corpos ficaram tão próximos que seu cheiro se tornara o meu cheiro

Ela – não se aproxime mais de mim!

Ele – meu amor passamos já dessa fase de caretice, eu te amo! Te amo demais e não conseguiria jamais manter distância da minha fada.

Ela – Me deixe ir por favor!

Ele – quero você!

.....

Ele - Me dê o que eu quero pelo menos uma vez

....

Ele - Meu desejo está em minha pele veja! Não quero brincar com você, eu quero te amar!

......

Ele - Não me diga que não há uma imagem se formando na sua mente em que eu estou tão encravado em você que nada mais na vida será igual, eu estarei no meio de suas pernas da mesma forma que esta em meu pensamento.

Ele - Nunca vou sair!

.......

Ela – socorro!!

Ele – não grite, alguém pode vir e estragar nosso momento.

(morde seu pescoço)

Ele – Não posso parar jamais, minha pele encostando na sua que sensação! Me sinto elétrico!

Ela – espero que um raio caia e parta sua cabeça!

Ele – Não me importo porque hoje está comigo! E estará aqui hoje e para sempre.

(lhe da um beijo passando a mão sensualmente por seu corpo sentindo cada poro dela que se chicoteia)

Ele – sua saliva tem gosto de nuvem. Meu amor, vou soltar seus braços agora tudo bem? Entenda quando se ama tudo pode, não precisa ser envergonhar de nada.

( solta os braços dela, ela lhe da um soco e arranha sua cara a ponto de sair sangue)( ela tomba e sai se arrastando)

Ele – háhahauhaua entendi o que você quer agora!! Vou entrar no seu jogo!

(corre atrás dela e quando a alcança lhe soca o estomago)

Ela – seu doente mental, não te amo, não te conheço!

(deitada ali com os pés atados percebe que seu corpo não responde, se debate mas não há resultado. Nada mais está entre ambos, um grito de gloria ecoa para o horizonte e outro de desespero entra pela terra porem ambos ficam sem resposta)

Ele – está vendo como a noite está magnifica?!

(Estirado no chão não há mais amarras nem na sua cabeça nem na sua alma. A noite no escuro não há reflexos e ele se sente completo, cada um se mantem inteiro como se quer, sem pesares ou consciência)

(Já solta, ela fica deitada um pouco até tomar consciência de sua liberdade. Resolve caminhar, passa pelo carro e se enxerga, suja de terra, de um sêmen que arrombou seu corpo num relance vê um canivete.)

Ele – isso querida coloque uma música para nós!

(Olhando para ela percebe que nada mais pode querer na vida tem a mulher mais perfeita da terra. Com a luz do carro acesa vê o brilho de uma lamina indo em direção ao abdômen que a pouco lhe servia como travesseiro do paraíso. Corre com o desespero voltando a suas veias. A tempo de ver um último momento de vida nela, observando a cena pelo capo do carro chora, porém percebe um sorriso suave em seu reflexo e um eco suave em seu ouvido)

Outro – IMBECIL



Final

Ele – a culpa é sua! Ela está morta!

Outro – minha? Você estava fazendo o que queria!

(uma chuva forte começa a cair escurecendo tudo novamente)

Ele – volte! Agora que estava conhecendo a alegria, você era o motivo dela, não me deixe!

(coloca seu corpo chão e a chuva vai levando aos poucos a mancha de sangue de sua barriga)

Ele – hoje foi o dia mais confuso da minha vida, peguei tudo o que tinha na vida e joguei fora, mas foi por você, eu juro, precisei mudar pra poder ficar com você, te amo a tanto tempo e você foi me conhecer só hoje, isso me doí e agora sou o culpado de sua morte. Porque simplesmente não aceitou me amar? Sou assim tão asqueroso?

(A chuva passou deixando muitas poças prateadas no chão e uma lua brilhante no céu)

Ele – vá embora! Você esta em todo lugar!

Outro – fiquei observando por tanto tempo, mas acho que foi um bom dia hoje.

Ele – bom? Não consigo ver nada de bom, em lugar nenhum!

Outro – eu vi finalmente que não sua a sua pior versão,

Ele – claro que é! Você é tudo de podre que eu tenho concentrado numa existência estranha.

Outro – você é a sua pior vesão de si mesmo, é um abestado, que não enxerga nada e destrói tudo que toca!

Ele – estava tentando mudar minha vida de bosta, como você disse, me impor e me importar mais com meus desejos.

Outro – também disse pra ignorar tudo?

Ele – não importa o que diga, eu sei a verdade, e veja só, ninguém mais é capaz de te ver ou escutar.

Outro – grande vantagem, ela pode te ver e ouvir e decidiu se matar. Porque não se mata também?

Ele – eu a amei do meu jeito. ( pega o canivete) você se matou para não ficar mais perto de mim, algo que não pude te dar, mas agora me matarei para que ninguém mais possa ficar do meu lado, e não destruirei mais ninguém!

(morre Ele e Ela agora lado a lado e paz. A poça de meche e como de dentro da poça existisse uma outra dimensão o outro se levanta e caminha indo de poça em poça indo em direção a cidade, atrás de alguma outra existência perdida)



 
 
 

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