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O Bandeirante

  • Claudia Jordão
  • 28 de out. de 2015
  • 3 min de leitura

B - Onde posso colocar minha bagagem?

P - Deixe sobre o banco.

B - A chuva me pegou de surpresa durante o caminho.

P - A casa de Deus sempre acolhe os irmãos viajantes.

B - Encontrar esta capela foi providencial, pois tenho na bagagem coisas que precisam abrigar-se de tempestades.

P - De onde você vem?

B – De Pasárgada, demorei um pouco mais do que o normal, para deixá-la.

P - O que o prendeu por lá?

B - Lá sou amigo do rei e tive a mulher que quis, na cama que escolhi, mas preciso seguir viagem e encontrar um local adequado para colocar bandeiras de Manoel.

P – Vai para cidade cinza?

B - Sim! O senhor a conhece?

P - Não! Outros viajantes já me contaram sobre ela.

B - Cidades cinzas nem sempre tem tempo e locais para bandeiras de Manoel.

P - Mas eu ouvi dizer, que as bandeiras de Manoel têm encontrado seu lugar.

B - Na verdade há quem acredite que carrego água na peneira, mas eu sou um bandeirante insistente, só saio do asfalto quando vejo barro na frente a fim de fincar bandeiras de Manoel.

P - Porque esta insistência?

B - Porque preciso deixar minha bagagem mais leve, não quero e não posso carregar tudo isso sozinho...

P - O que tem na sua bagagem?

B - Um abridor de amanhecer , um prego que farfalha, um encolhedor de rios, um esticador de horizontes e muitas bandeiras de Manoel

P – Poderia deixar um pouco aqui na capela? É sempre bom receber bandeiras novas, pois nos acostumamos com as velhas e as intempéries as tornam enrijecidas.

B - Não vejo bandeiras aqui na capela, a não ser aquela no altar.

P – Aquela é a que está enrijecida, e as outras não as vê porque não estão aqui.

B - E onde estão?

P - Distribuídas, sempre que passa um bandeirante por aqui eu troco bandeiras com eles, o último levou uma do Mário e deixou uma do Carlos.

B - Então o senhor está me oferecendo uma barganha?

P - Sim. Porque apesar de Manoel ser bandeira importante, cidades cinzas também precisam de bandeiras como de Carlos, Mário, Vinícius, para perderem a rigidez.

B - A tempestade passou, o dia está envelhecendo, preciso seguir viagem...

P - Espere, leve Carlos e deixe Manoel, porque fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão – antes que das coisas celestiais e se bandeiras de Manoel são fincadas no barro, é porque só quem está em estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio, estes são dos meus.

B - O senhor prefere enxergar as coisas sem feitio?

P - Não. Porque desta vida não me foi dada a escolha de enxergar, mas sou livre para o silêncio das formas e das cores. Vivo em estado de palavra e gosto mais de viajar por palavras do que de trem e o bandeirante aqui é você, então siga seu caminho, mas não me prive de ficar com uma das bandeiras de Manoel.

B - Mas se não enxerga como é que conseguirá fincar uma bandeira de Manoel? Posso ficar e ajudá-lo...

P - Preocupe-se com as cidades cinzas, por que eu não sou o seu maior desafio...


 
 
 

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