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MEU CAMINHO PELA SOMBRA ou Canções de fim de turno.

  • Mauro Martoreli
  • 28 de out. de 2015
  • 14 min de leitura

Release:


No último dia do final dos tempos, um Homem e um Velho se encontram em um ponto de ônibus em lugar ermo em meio a uma tempestade, começam a discutir sobre suas vidas e sobre o pouco tempo que lhes restam até o momento que descobrem que são a mesma pessoa.



Histórico:

Leitura Dramática realizada na Mostra do Núcleo de Dramaturgia da Escola Livre de Teatro em Dezembro de 2014 com a participação de:

Marcio Ribeiro como Homem

Cássio Castelan como Velho

Ronei Novaes, músicas e rubrica

Direção da leitura Mauro Martorelli



MEU CAMINHO PELA SOMBRA ou Canções de fim de turno.


PERSONAGENS


Homem

Um velho ( simplesmente um velho)



Um Ponto de ônibus em um lugar ermo, final da tarde de outono em um dia chuvoso. Claridade Branca cegante, nublado, fog londrino. Pode ser que seja Paranápiacaba.


Sentado sob um ponto de ônibus em um dia de chuva começa a despontar um foco de luz sobre o personagem que espera pacientemente a vinda de sua condução. Passa o tempo e ele continua a esperar, ora levantando, ora somente olhando.


O Homem começa a olhar nos bolsos, pega uma bala...


Um relâmpago a luz ao redor se apaga, começa falhar a luz do ponto de ônibus, outro relâmpago, de repente a luz volta, vento mais forte.


Outro relâmpago, o homem puxa do bolso um aparelho de som e coloca os fones no ouvido, começa a tocar a canção, o homem começa cantar:


Canção da Apatia


Nem a casa existe mais,

Nem pesadelos, nem utopia.

Devaneios tolos sobre a nossa pia.


Nem a casa existe mais,

Nem paredes, nem poesia.

Nem risos frouxos na praça vadia.


Sinto ainda que falta chão,

Inda mas durante o dia,

Para mim não ha perdão, nem tão pouco simpatia.


A cada passo que me distancio,

Sinto o peso da agonia,

Numa mentira mau fadada que meu coração dizia.


Num medavassalador eu me escondia,

Enquanto o meu desejo mais intenso,

era provar da tua

Apatia.



Homem:

  • Esse mau tempo e esta jornada que nunca termina, este dia que nunca termina, ahh!

  • O que eu preciso fazer para tudo isso terminar logo... nada vem... ninguém vem... nenhuma flor deste campo resiste a tanta agua, porem nada mais vai ter que resistir por muito tempo.

  • Puta Frio!


Um Velho se aproxima, ele passa vagarosamente, parando e entreolhando o Homem, ele tem uma mala velha, tem um cachecol dando a volta na cabeça protegendo seus ouvidos, na outra mão carrega um guarda-chuva, passa pelo ponto de ônibus parando mais a frente, fica ali por um tempo, silencio, uma nova rajada de vento com chuva, ele se protege no ponto de ônibus sentando ao lado do Homem.


Velho:

  • Muita chuva né!


Homem:

  • Muita.


Velho:

  • Em dias assim eu e minha velha não costumávamos sair de casa...


Homem:

  • Verdade.


Velho:

  • Fazíamos sexo a tarde toda...


O Homem se impressiona, tira os fones de ouvido, e começa a prestar atenção no velho.


Homem:

  • Desculpe acho que não ouvi direito, o senhor disse que...


Velho:

  • Que eu minha velha aproveitávamos dias assim para fazer sexo!


  • Era muito aconchegante, ficávamos debaixo dos cobertores, o som da chuva batendo na calha, o movimento das arvores com o vento, nos sentíamos conectados com o universo.


  • Você já se sentiu conectado com o universo?


Homem:

  • Nunca. Eu nem se quer consigo sentir que meu pescoço esta conectada a minha cabeça, seu hippie Velho!


Velho:

  • Me faça um favor, puxa o meu dedo. ( apontando o terceiro dedo para o homem)


Homem:

  • Não me enche...


A Chuva aperta, rajada de vento, silencio, a chuva aperta um pouco mais, a chuva desacelera.



Velho:

  • Engraçado, você disse não me enche.


Homem:

  • Mais o que tem de engraçado nisso?


Velho:

  • Porque não tem como encher mais o que já esta transbordado.


Homem:

  • O senhor não tem mais o que fazer não! Eu estou aqui no meu canto esperando... O senhor não tem o direito de...


Velho:

  • Ok.


Homem:

  • Desculpe. Não Quero ser rude.


Velho:

  • Entendo, me desculpe também, estou te importunando na hora errada.


Homem:

  • Tudo bem.


Velho estende a mão e se cumprimentam. Homem coloca novamente o fone nos ouvidos.



Silencio a chuva diminui.


Velho:

-Esta demora toda não te incomoda?


Homem:

- (Retirando o fone dos ouvidos) Como?



Velho:

-Desculpe estou impaciente, estas noticias todas, o fim das coisas, sempre achei que estava preparado para isso e de repente tudo acontece.


Homem:

  • Entendo.


Velho:

-O senhor me desculpe, estou inquieto.


Homem:

  • Sem problema eu também me sinto assim, acho que mundo todo está assim hoje.



Um som de goteira permanece ao fundo enquanto os dois se silenciam.


O Velho Canta.


Canção da Goteira ou simplesmente Goteira.

( o tempo da canção e marcado pelo som de uma goteira batendo)


Tempo vão,

Vai se então,

Ilusão

e solidão.


Espera e vai,

Sem conclusão.


Adeus minha juventude,

Adeus minha concretude.


Molha o chão... molha o chão...


La se vai,

Mais uma então.


Gota me devolva

A ilusão... a ilusão


Vai ser assim?

Acho que não.

Não vou admitir

Minha situação


Goteira não tem pena

De quem esta no chão.

Certeira, enganadeira,

Desgraçada.


A gota é só.

É Solidão,

É ponto em nó,

Ou distração.


Cerceia minha sede de ir embora...

Ilusão... Distração... Solidão... Ilusão... Distração... Ilusão...

...



Velho:-

Essa chuva não vai parar nunca!


Homem:-

Como assim? Ela acabou de parar.


Velho:

  • Você esta sendo muito raso garoto.


Homem:

  • Raso, eu! Eu nem se quer conheço o senhor. Você chega aqui, invade a minha fossa e atropela minha manhã com metafísica barata. Eu tenho meu direito de sofrer sozinho. Por favor vá embora.


Velho:

  • Não Posso!


Homem:

  • Porque?


Velho:

  • Preciso pegar o ônibus.


Homem:

  • ...

Ok!



Velho:

  • Desculpe mais preciso perguntar, você está sofrendo do que?


Homem:

  • Não quero falar.

  • ...

  • Já faz um tempo, só isso...


Velho:

  • Eu lembro.


Homem:

  • Lembra do que Velho?


Velho:

  • Lembro que também já sofri um dia, não muito longe daqui, foi em setembro eu acho. Uma casa branca, com um portão cinza enferrujado... Por ali...(Apontando)


Homem:

  • Na casa com janela de alumínio ao lado da porta?


Velho:

- Deve ser, não me lembro dos detalhes, e já faz tanto tempo e tudo está mudado. Engraçado.


Homem:

  • Engraçado o que?


Velho:

- Só me lembro do lado de dentro, me lembro do sofá. Ah! Ah!, e da cara do pai dela quando pegou a gente lá, Ah! Ah! Ah!




O homem ri.



Homem:

- Sei bem, já aconteceu isso comigo também.



Velho:

  • Ela era linda, uma graça. Doida de pedra.


O homem concorda com a cabeça.




Velho:

  • Eu... acho... Deixa pra lá não importa mais...


Core Polca


Homem: Meu coração é um ponto

Que marca o centro do peito

Vive latente e inconstante

Não sabe o que quer direito


Velho: Meu coração inconstante

Que marca o centro do medo

Segue batendo bastante

Não sabe o quer direito


Velho: Sei que não vou poder contar

Com este belo detento

Que tenta se libertar

Matando o próprio sujeito


Homem: Não quero me confessar

Mais acho que não vai ter jeito

Injusta condição

Este puto não tem direito



Velho: Ele quer implodir torres

Ele quer vir pro lado direito

Eu o quero torto

Maltrapilho e suspeito


Velho e Homem: Eu só quero uma chance

Fazer tudo de outro jeito

Ele não segue razão

É polca selvagem, escuridão e

Desalento




Homem:

  • Isso que o senhor me falou em lembrou de um poema. Ele começava com:


- Uma vez me perguntaram o que senti dentro do coração da best...


Velho: Não,

- Me perguntaram o que senti dentro do coração da besta

Eu digo então

Dentro do coração da besta não ha parede,

Nem teto ou fundura

Amargo e destilado sangue

De um negro profundo

Escuridão reluzente e bafo indefectível

Uma pressão aniquiladora.

Dentro do coração da besta, achei... Esqueci o resto.



Homem:

  • Isso mesmo, acho que é...

  • Achei um meio próprio,

já infectado e doente, inchado e enfadonho.

Tenho a boca coberta por formigas e os dentes serrados como pedras sedimentais.

Desgastado pelo ventre da besta as pedras são vomitadas e voltam a ser deglutidas caindo em minha cabeça ao passar pela válvula mitral,

O frio metal da parede do corpo do coração da besta me fere toda vez que tento escalar para fora lancinando minha carne...


Velho:

  • Podemos marcar de fazer qualquer coisa juntos de repente, um café, um jantar, um banho... quem sabe?


Homem:

  • Isso Mesmo! Assim mesmo que terminava a poesia. Era de um colega que estudou comigo.


Velho:

  • Mais um poeta que morreu jovem.


Homem:

  • Verdade.

  • Assim como a morte do Kurt Cobain, me marcou demais, já faz 27 anos.


Velho:

  • Não Faz mais tempo!


Homem:

  • Foi em 1994 então, 2021 menos 1994, igual 27 anos.


Velho:

  • 2021... Que dia é hoje?


O Homem tira um jornal da mochila entrega ao Velho.


Velho:

- Você já viu isso?


Homem:

- Não me interessa.


Velho:- Você se importa que eu leia?


Homem: Não, não me importo com nada.



Matéria do The New York Times, 12 de Novembro de 2021


( enquanto o velho lê a matéria imagens da historia são projetadas nas nuvens ao fundo)


O Caso Zero.


Cientistas descobrem o registo do primeiro caso da singularidade que marca o fim do Universo.


21 de fevereiro de 2018, Município de Villeta, província Gualivá, Colômbia.

A dona de casa aposentada Rafaela Aguiluz se prepara para ir dormir, desliga a luz da sala e sobe as escadas para o seu quarto, coisa que faz rotineiramente entre as 22h e 22:30h. Dona Rafaela comenta que naquele dia estava muito feliz, pois, sua neta casou em Bogota e tudo correu bem.

Aproximadamente 00:10h, ela acorda assustada ouvindo barulho de sua TV ligada no andar de baixa, com muita cautela e empunhada de uma vassoura que estava no banheiro da suíte, ela desce as escada e depara com a sala vazia e a TV ligada em um volume alto em um canal evangélico. Dona Rafaela é católica e afirma: “Eu sou devota de Nossa Senhora de Chiquinquirá desde de criança, minha avozinha, que Deus a tenha, sempre me ensinou os preceitos da catolicismo, nunca assistiria isso.” Ela desliga a TV e vai dormir.

No dia seguinte o mesmo ritual, ainda um pouco cismada ela permanece na sala até as 23h, nada de anormal acontece, vai ao quarto e dorme. 00:03h ela acorda, TV ligada no mesmo canal evangélico, novamente desce as escadas e ninguém.

No dia seguinte Rafaela chama seu vizinho para inspecionar a TV para saber se há algo de errado com ela, após meia hora de ligar e desligar o aparelho, abrir o menu de configurações e reprogramar o aparelho. Mais uma noite, a historia se repete. Ninguém na sala.

Cansada da historia dona Rafaela retira o TV da tomada, adormece na sala mesmo, acorda 00:00h em ponto com a TV ligada, começa a rezar assustada, acende uma vela no altar para imagem de Nossa Senhora, não consegue dormir, no dia seguinte liga para sua neta, preocupada com sua avó decide antecipar a volta da Lua de Mel. Rafaela vai a igreja e conversa com o Padre Carlos Ramon, o padre descarta a possibilidade de ser algo sobrenatural e aconselha dona Rafaela a levar a TV a uma assistência técnica, mesmo ela alegando que havia desligado a TV da energia, o padre diz que talvez ela tenha se iludido, ela tenha imaginado fazer e não fez, e que o cansaço e o sono talvez tenha feito ela pensar em desligar a TV e não fez. Mesmo contrariada, aceita a palavra do Padre, retorna a casa e a primeira coisa que faz é desligar o aparelho, com ajuda do vizinho ela retira ela do rack da sala e guarda na dispensa., mesmo apreensiva ela se prepara para dormir, reza mais uma vez, sobe as escada se recolhe e finalmente uma noite de sono. Problema resolvido.

No dia seguinte tudo segue tranquilo, a neta vem visitar avó que conta toda historia, Dona Rafaela acha tudo muito esquisito, a neta concorda.

Entre mais ou menos 00:20h, dona Rafaela acorda novamente com a TV ligada na sala, ela decide não sair do quarto, encosta uma cadeira na maçaneta porta para travar, permanece no quarto rezando, desmaia em sono pela exaustão. Acorda na manha seguinte as 10h pega o celular e liga para a neta, dona Rafaela não desce as escadas.



A chuva aperta novamente e interrompe a leitura do Velho, os dois se espremem no ponto, breve escurecimento e o tempo corre.



O Sol em um breve momento reaparece no meio das nuvens, a chuva diminui.



Canção 4, de Damien Rice o Homem canta.

Os Animais Haviam Partido

Acordei e, pela primeira vez Os animais haviam partido Deixou essa casa vazia agora Não tenho certeza se é o meu lugar Ontem você me pediu, para escrever uma canção Vou fazer o meu melhor agora Mas você se foi por tanto tempo A janela está aberta agora E o verão se estabelece

Eu amo sua depressão E amo sua dupla personalidade Eu amo quase tudo O que você tem a oferecer Eu sei é que eu te deixei Em lugares de desespero Eu sei que te amo Então, por favor, jogue suas tranças pra baixo À noite eu viajo sem você E espero nunca acordar Porque acordar sem você É como beber de um copo vazio Acordei e, pela primeira vez, Os animais tinham ido embora Nossos relógios estão "tiquetaqueando" Então antes do tempo acabar Nós poderíamos arranjar uma casa e tomar algumas cervejas na grama Nós poderíamos fazer bebês e músicas acidentais Eu sei que fui um mentiroso E sei que fui um tolo Espero que não tenhamos terminado Mas estou feliz de termos quebrado as regras Minha cova está profunda agora Mas sua luz ainda está brilhando Eu cubro meus olhos e tudo o que eu vejo é você À noite eu viajo sem você E espero não acordar Pois acordar sem você É como beber de um copo vazio



O Homem volta a sentar no ponto de ônibus.


Velho:

-Eu não me lembro disso. (se referindo ao jornal)


Homem:

  • Não quero saber.


Velho:

  • Você tem que saber!


O Homem não responde.


O Velho pega o jornal e volta a ler a matéria.


... A neta vem acompanhada do marido, que começam confortar a Dona Rafaela e decidem fazer um experimento, ele decide ligar uma câmera na sala durante a noite para ver o que esta acontecendo e levar a dona Rafaela para dormir com eles em casa, que fica a 4 quadras da casa da avó.

No dia seguinte, ás 9h retornam juntos a casa da dona Rafaela, tudo normal, a TV esta desligada, aparentemente nada aconteceu, o marido pega a câmera e leva consigo pois a bateria estava baixa e não daria para ver as imagens naquele momento.

Dona Rafaela prepara um café para a neta, conversam um pouco mais da viagem da Lua de Mel, A neta sobe as escada para usar o banheiro da suíte, ao entrar no quarto toma um susto, ele encontra com a própria avó que acabara de ver na cozinha. Assustada a neta não reage, a Dona Rafaela do andar de cima, se espanta com a presença da neta e pergunta o que ela está fazendo, Porque não estava em sua Lua de Mel?

Ainda impactada com o fato não consegue responder a segunda avó, ela toma essa mulher pelo braço tateando para saber se tratava da mesma pessoa, não restava duvida era uma copia exata da Dona Rafaela, porem mais nova e com cabelos chegando na cintura e veste mais severos de uma pessoa protestante.

A Dona Rafaela 2 (vamos chama-la assim para facilitar) se espanta também com a reação da neta e fica apreensiva, rapidamente a neta pede para avó 2, permanecer no quarto e que não descesse escada em hipótese alguma. Ela desce a escada e constata que Dona Rafaela não percebeu nada do que aconteceu no andar de cima, e fala para avó o que aconteceu, ambas ficam apavoradas.

Enquanto isso o Marido liga no celular da neta, contando que estava naquele momento vendo a Dona Rafaela 2 na gravação da câmera, e que também estava perplexo, pede que elas esperem ele retornar para tomar uma decisão.

Dona Rafaela não se conteve e segue para o quarto, Dona Rafaela 2 se espanta e se põem a orar copiosamente, a neta fica na escada. Dona Rafaela vagarosamente se aproxima de seu duplo consolando em silencio tocando a nuca como sua avó fazia. Dona Rafaela 2 para de chorar, começam a conversar no quarto, a neta aos prantos começa a se aproximar da entrada do quarto, e é consolada pelas duas avós. O marido da neta chega, sobe as escada, entra no quarto e desmaia ao ver a cena.

As duas donas Rafaelas convivem a 3 anos em perfeita harmonia fazendo companhia uma a outra, no inicio elas mentiram na comunidade dizendo que eram irmãs gêmeas, e o fato de terem religiões diferentes ajudou a manter o caso escondido por tanto tempo, agora tão difundido o fenômeno da colisão entre os Universos soma aproximadamente mais 29.000.000 de casos de Duplos já relatados e subindo.

Neste exato momento, em que estou fechando a matéria, tenho ao meu lado meu outro eu, que no caso é 20 anos mais velho e fará a revisão final, pois ele é o redator geral do The New York Times.


Por Robson Tate e Robson Tate



O homem levanta e da um soco na cara do velho que vai ao chão.



Homem:

  • Porque você veio até aqui fazer isso comigo. Você sabe se ela não vai aparecer?

  • Me responde velho. Ela vai aparecer?


O velho cospe o sangue da boca, permanece no chão e não responde. O homem avança pra cima do velho agarrando seu colarinho.


Velho:

  • Eu mereço tudo isso, você merece tudo isso também.


Homem:

  • O Caralho Velho de Merda!


Velho:

  • Ha ha ha, acha que me assusta? Não é sua violência ou sua coragem que me convence não, eu sou você cara!


Homem:

  • Ela não vira? E isso! Fala!


O homem solta o velho, começa recuar devagar, quando vira de costa o velho passa a perna no homem.


Os dois começam a se pegar no chão, murros e socos, a chuva fica mais forte, os dois quase exaustos, um relâmpago, o abrigo do ponto de ônibus desaba.

Os dois param sentados no chão sobre a chuva. O velho se recupera tomando folego e começa a falar.



Velho:

  • Estávamos em paz, nunca por durante tanto tempo ficamos sem discutir, brigar ou qualquer outra coisa, havíamos aceitado... (cospe sangue) ... que o casamento era uma forma de compartilhar nossas solidões.

  • Tudo ia bem, era um sábado ela virou pra mim e disse que queria visitar mais uma vez a cachoeira em que ficamos juntos pela primeira vez, eu respondi que semana que vem iriamos, ela respondeu que queria ir no domingo mesmo, estranhei mas não quis argumentar. Então fomos, queria ir de carro, ela queria ir de trem como na primeira vez.

  • Saímos bem cedo, o tempo estava ótimo, caminhamos a tarde toda, reparei que já não éramos os mesmos, demos risadas e seguimos de mãos dadas como a muito tempo não fazíamos, ela pediu para fechar os olhos e me disse no ouvido, tenho que ir embora, você foi um sonho em minha vida. Tive medo de abrir os olhos e não abri, estávamos sentados bem aqui.

  • Neste ponto de ônibus, isso já faz 2 anos.


Homem:

  • Nós ficamos juntos aqui, você lembra, passamos a tarde toda na cachoeira mais nos beijamos pela primeira vez aqui, bem neste ponto, ela pensou em tudo.


Velho:

  • Sim, ela não me deixou escolha.


Homem:

  • O que aconteceu?



Velho:

  • A família dela entrou em contato, ela morreu 3 meses depois, não quis saber como, não fui ao funeral, queria lembrar dela como no primeiro dia.


Silencio



Homem:

  • Eu cheguei em casa, tinha tido um dia bem corrido estava cansado, ela estava linda na cozinha preparando o jantar, jantamos em silencio, ela me olhou com cara de apaixonada como sempre fazia a mesa. E começou a escorrer uma lagrima dos olhos dela, perguntei por que ela estava triste. Ela enxugou os olhos e calmamente disse que não ia mais me ver. Eu fiquei perplexo, e comecei a discutir com ela, como assim não nos ver?

  • Ela ficou calada, olhando pra mim, eu fui me irritando, discutimos feio e ela irredutível, não disse uma palavra do porque. Estava nervoso e para não fazer nenhuma bobagem sai de casa, enchi a cara, quando voltei ela não estava mais lá.

  • Passei 3 meses procurando ela dia e noite. A irmã dela me liga, ela se suicidou 3 dias antes da ligação. Ninguém sabia o porque, a família dela me culpa até hoje, eu me culpo também, sem nem se quer saber... faz quase 2 anos... não quero saber... não importa agora.

  • O universo vai acabar, nada mais importa. Eu Não me iludo mais, eu sei que tudo neste universo esta pronto para me devorar assim que eu for...



Canção final, fica estabelecido um jogo os dois homens se encontram sentados no chão. A chuva continua forte.

O Velho retira uma moeda do bolso, os dois escolhem cara ou coroa, o Velho joga a moeda no chão, ela para, quem perdeu olha para o outro e fala:



  • Quando chegar em casa vou me matar.

- Não vai precisar já estamos mortos.

  • Quer um cigarro?

- Quero.

  • Essa chuva não vai acabar nunca...


A nuvem de fumaça avança para todo palco, a luz diminui e começa a projeção da cena de Fred Astaire e Gene Kelly em The Babbitt and the Bromide.


 
 
 

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