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Conceito do Drama por Renata Palottini

  • dramaturgiaelt
  • 7 de abr. de 2015
  • 10 min de leitura

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Quando se fala, na epígrafe, de um drama, não se quer, naturalmente, falar de peça de teatro com final infeliz, de tom sério, ou que leve a um desfecho pessimista; drama seria simplesmente uma peça de teatro, um texto para ser encenado, oriundo, outra vez, do grego drama, que significa ação, sem maiores complicações etimológicas. Que mais? Dramaturgia seria a arte de compor dramas, peças teatrais. Arte? Técnica, naturalmente (tecné = arte), princípios que ajudariam na feitura de obras teatrais e afins, técnica da arte dramática que busca estabelecer os princípios de construção de uma obra do gênero mencionado. Procurou-se evitar, propositadamente, a palavra regra; o uso dessa palavra tem sido motivo de muito preconceito contra a técnica da dramaturgia, considerada, nos piores exemplos, mero receituário, por meio de cuja obediência se produziriam, automaticamente, excelentes peças teatrais; ao contrário, se essas regras não fossem cumpridas, nunca ninguém conseguiria nada em termos de construção dramática.

Hoje em dia, até por uma questão de bom senso, sabe-se que isso não é verdade; o que se pode ensinar por meio da dramaturgia é do mesmo teor do que pode ensinar um bom oleiro a um aprendiz, no que diz respeito ao ponto da argila; do mesmo teor do ensinamento que um carpinteiro transmite ao iniciante sobre como manusear as ‘ferramentas' e assim por diante. Nenhum carpinteiro será bom se não tiver um mínimo de vocação, dedicação e amor ao ofício. No caso do autor da obra dramática, nenhum será bom se não tiver, ao menos, algo importante para dizer.

A dramaturgia, através dos tempos e das variadas posições que têm sido tomadas no que lhe diz respeito, permanece um estudo e uma investigação do texto, não contemplando, pelo menos estritamente, o espetáculo correspondente. Isso, é claro – num período da história do teatro em que o espetáculo vem se tornando a parte mais importante do fenômeno teatral, a predominante, quase a única, no sentido de ser, até mesmo, invasiva do texto e sua substituta –, faz com que as investigações puramente dramatúrgicas tendam a ser consideradas de menor importância e irrelevantes. No entanto, mesmo quando se restringe a um roteiro de ações, quando emerge da encenação, quando é uma adaptação de um texto pré-existente, quando foi feito para não ser ouvido, um texto é um texto, e resiste como tal. Como tal, portanto, tem até o direito de ser estudado.

Depois de Brecht, a dramaturgia teve seu sentido ampliado, compreendendo a estrutura interna da obra, mas também o resultado final do texto posto em cena com uma finalidade específica, com o intuito de influenciar o espectador de tal forma que o mova, inclusive, à própria ação. Até como conseqüência dessa postura, temos, hoje em dia, mais uma acepção para a palavra dramaturgía. Emerge dessa nova visão a figura do dramaturgísta, ou dramaturg, pessoa que, procurando extrair todas as possibilidades do texto escolhido para ser encenado, colocando-o no seu contexto, prepara a montagem juntamente com o diretor.

Posto que a dramaturgia não é um formulário para a realização de boas peças, filmes, roteiros, mas sim o conjunto de técnicas para se organizar eficientemente um texto, podemos dizer que o ponto de partida para a feitura de um bom texto dramático é a existência de um conteúdo a ser expressado, veiculado.

Esse conteúdo pode (e deve) ser buscado em nós mesmos, em cada um de nós; mas ele vem por meio de nossas idéias, sensações, emoções, lembranças, observações. Bertold Brecht, dramaturgo alemão, valia-se preferencialmente de suas idéias, as quais unia as histórias inventadas ou adaptadas de leitura das mais diversas origens; criava, assim, textos que alertavam o espectador, mantinham-no desperto e consciente para entender o significado mais profundo do texto e caminhar no sentido de propiciar a mudança da sociedade. Mudança que, acreditava ele, uma vez efetivada, garantiria a justiça social e a felicidade do Homem.

Esse conteúdo, a mensagem ou recado que o dramaturgo nos quer passar, é expresso por meio de palavras que serão ditas (ou mostradas, com os recursos da mímica) pelos atores/personagens; elas poderão, ainda, ser apresentadas no espetáculo sob a forma de rubricas que orientarão diretor e atores na·realização do espetáculo, uma vez que são o narrativo do conjunto textual, as descrições a respeito de lugares e épocas, os movimentos que o autor julga adequados para ajudar a formar os personagens etc ...

Texto é, dessa maneira, tanto aquilo que se diz quanto o que não se diz, mas aparece sob outra forma, como gesto, expressão, entonação, descrição, no espetáculo final.

O conteúdo, o recheio de um texto dramático, deve conter uma idéia central, aquela coisa básica que queremos dizer, a razão pela qual começamos a escrever uma peça. Essa idéia central pode ser preexistente, ou seja, pode ser verdadeiramente o ponto de partida do trabalho, ou pode aparecer posteriormente, como uma conseqüência do trabalho já feito, já que, às vezes, a razão de ser do que estamos fazendo não nos é clara de início, não está no nosso consciente. Não sabemos o quê, mas sabemos que algo está para ser dito. Ao final do texto, vemos que dissemos, expressamos uma idéia que estava dentro de nós, escondida.

Esse conteúdo, sua existência e o fato de ele ser um são as condições que garantem a unidade do trabalho, a única unidade, dentre as que Aristóteles apontou, que verdadeiramente vale a pena. Essa unidade, que se pode chamar de Unidade de Ação, nos é dada pela Idéia Central, a qual, por ser central, é forçosamente uma. A ação principal é conseqüência da Idéia Central (estamos sempre lidando com o conceito de unidade) e tende a ser uma porque persegue um objetivo. Objetivo é aquilo que o protagonista da peça, o personagem que mais coisas faz, o que mais age, procura obter. E segue lutando para isso, mas vai encontrando, no seu caminho, obstáculos. Os obstáculos são dificuldades, entraves de todo o tipo que o actante (aquele que realiza a ação) encontra: outros personagens e suas vontades, impossibilidades materiais, morais, de costumes, óbices naturais, relativos à natureza das coisas e do mundo, Deus, a fatalidade, o preconceito ou qualquer outra abstração.

Essa caminhada do personagem principal em busca de alguma coisa que ele deseja, os obstáculos que ele encontra, os esforços que faz para vencer esses obstáculos, tudo isso é ação dramática. Isso, e mais os conflitos (contidos, já, no que ficou dito), que podem ser vários e de tipos diversos – inclusive o interno, que se desenvolve dentro do personagem –, da dinâmica à peça. A ação dramática é sempre o correspondente de dinâmica, movimento, um passo à frente, mudança.

A situação dramática era uma; por força de alguma coisa que se fez, de algo em que se inovou a situação agora é outra.

Romeu (de Romeu e Julieta, de Shakespeare) chegou ao sepulcro onde Julieta está apenas adormecida, por força de uma bebida mágica que lhe foi dada pelo frade conivente. Romeu ignora esse subterfúgio e a supõe morta. Desesperado, ele se mata. Onde havia um amante vivo e outro adormecido, existe, agora, um amante morto. A situação modificou-se; Julieta desperta e, ao ver morto seu amante, mata-se também. Agora, sim, mudou totalmente o estado de coisas anterior e, onde havia dois amantes vivos, existem dois jovens mortos. É o movimento interno, por obra de ações carregadas de sentido e de motivação. Houve dinâmica, houve conflito e houve ação dramática.

Sobre o texto dramático

É muito problemático propor uma definição de texto dramático que o diferencie dos outros tipos de textos, pois a tendência atual da escritura dramática é reivindicar não importa qual texto para uma eventual encenação; a etapa derradeira – a encenação da lista telefônica, bula de remédio ou receita de bolo – quase não parece mais uma piada e uma empreitada irrealizável! Todo texto é teatralizável, a partir do momento que o usam em cena. O que até século XX passava pela marca do dramático – diálogos, conflito e situação dramática, noção de personagem – não é mais a condição primeira do texto destinado a cena ou nela usado. Limitar-nos-emos portanto a levantar alguma marcas do texto na dramaturgia ocidental. Destacando os gêneros dramáticos e os elementos que caracterizam o texto teatral.

Elementos que caracterizam o texto dramático:

  • Falas dos personagens: considerado o texto principal é o texto a ser dito;

  • Personagem: persona (no teatro era a máscara, o papel assumido pelo ator) a ser animada pelo ator, passando a ser uma ilusão de um ser vivo;

  • Indicações cênicas: considerado texto secundário pode ser construído pelo autor; encenador, ator, entre outros. As indicações cênicas não podem ser ignoradas pelo leitor ou espectador, no entanto, podem não ser fielmente seguidas na encenação;

  • Diálogos: conversa entre duas ou mais personagens. O diálogo dramático é geralmente uma troca verbal entre as personagens, sendo as duas visíveis ou não, seres animados ou inanimados;

  • Conflitos: comumente encontrado em dramaturgia da ação, resulta de forças antagônicas. Há conflito quando um sujeito qualquer, ao perseguir certo objetivo se depara com um obstáculo e o desenlace pode ser cômica, reconciliadora ou trágica.

  • Situação dramática: conjunto de dados textuais e cênicos indispensáveis à compreensão do texto e da ação, em um determinado momento da leitura ou do espetáculo. Podemos chamar também de contexto da ação dramática.

O Gênero dramático

É aquele em que o artista usa como intermediário entre si e o público a representação. A palavra vem do grego (drão. fazer) e quer dizer ação. O gênero dramático não compreende apenas o drama, que é apenas uma das variedades do gênero. A tendência moderna é para usar a palavra como termo genérico, designando toda composição dramática. A peça teatral é, pois, uma composição literária destinada a apresentação por atores, num palco, atuando e dialogando entre si. O gênero dramático possui uma estrutura específica, embora com alguns dos elementos da ficção e da epopéia. Em primeiro lugar, a(as) personagem(ens) de igual classificação que os dos gêneros narrativos os quais devem estar ligados com lógica uns aos outros e à ação. A ação dramática (enredo, trama, enredo) é o conjunto de atos dramáticos, maneiras de ser e de agir das personagens encadeadas à unidade do efeito e segundo urna ordem composta de exposição, conflito, complicação, clímax e desfecho e podendo incluir incidentes secundários visando auxiliar a marcha dos fatos ao desfecho. A situação ou ambiente é o conjunto de circunstâncias físicas, sociais, espirituais em que se situa a ação. O tema é a idéia que o autor (dramaturgo) deseja expor, ou sua interpretação real, através da representação. As convenções dramáticas são os atores, a música, o canto, o monólogo, o aparte, o pensamento em voz alta, o isolamento da platéia, a narração indireta pelas personagens de fatos não postos no palco, as partes, os acessórios de ação. Quanto ao ponto de vista, o teatro só admite o objetivo, pois o dramaturgo em regra se situa fora da ação. Sendo, ao mesmo tempo, literatura e representação, o gênero dramático exige a figura do diretor ou meteur-en-scène, a quem incumbe pôr em cena, no palco, aquilo que foi escrito pelo dramaturgo. O gênero dramático é dividido em duas grandes variedades: a tragédia - nasceu na Grécia, embora sua origem seja desconhecida, geralmente consiste na luta de um indivíduo contra uma doença, um conflito íntimo de paixão, uma força superior, um ambiente hostil, um destino adverso, um caráter defeituoso, ambições de medidas, contra os quais ele se atira e experimenta a sua fortaleza; a comédia também originária da Grécia (como aldeia, ode, canto) há uma intenção de provocar o riso, de satirizar uma situação social ou individual, de corrigir a quebra das leis ou convenções sociais ou morais (os principais tipos são a de intriga. de costumes, de caracteres, ou mista).

Variedades de gêneros dramáticos

Tragédia: Peça dramática de enredo sério que tem por fim promover no espectador uma catarse, ou purgação, ao assistir a luta dos personagens contra poderes muito mais altos e mais fortes, que em geral os levam à capitulação e à morte. A derrota das aspirações do herói trágico, muitas vezes, é atribuída à intervenção do destino ou aos seus defeitos morais e vícios que concorrem para o seu fim adverso. Atualmente não se encontram mais tragédias, no sentido antigo, e sim dramas com final infeliz. Comédia: É o gênero de teatro recitado em oposição ao teatro cantado em prosa ou em verso, que geralmente se caracteriza pela leveza do tema, quase sempre alegre e com final feliz, cuja finalidade principal é excitar o riso do espectador, seja pelo choque de situações entre os personagens (comédia de intriga), seja pela pintura e crítica de costumes (comédia de costumes), seja ainda pela representação dos vícios e ridículos do homem (comédia de caráter).

Drama: Representado num tom mais coloquial do que a tragédia costuma ter episódios levemente cômicos, entremeados de cenas sérias. O drama pode ser declamado, declamado com intervenções cantadas ou totalmente cantado.

Ópera: Obra teatral em verso inteiramente cantada, em música de grande estilo, sem diálogos falados, incluindo bailados e cenas de multidão, nas quais intervém grande massa coral. As primeiras óperas datam do século XVI.

Revista: espetáculo teatral em que os atos se dividem em quadros mais ou menos independentes uns dos outros, ainda que ligados uns aos outros por um tema comum, geralmente alegre e crítico, tudo em meio a exibições de beleza de atrizes e cenários, ao som de músicas igualmente alegres, especialmente compostas.

Teatro de sombras: espetáculo teatral em que a ação dramática é mostrada ou sugerida pelas sombras dos atores, projetadas de fora sobre uma tela translúcida. Também tem o nome de: teatro de silhuetas.

Pantomima: espetáculo teatral sem palavras, em que os artistas comunicam seus pensamentos e sentimentos através da dança, da expressão facial e corporal.

Espaço dramático

O espaço dramático opõe-se a espaço cênico (ou espaço teatral). O espaço cênico é visível e se concretiza na encenação. O espaço dramático é construído pelo espectador ou pelo leitor para entender o local em que se passa a evolução das ações das personagens. Ele pertence ao texto dramático e só é visualizável quando o espectador constrói imaginariamente esse espaço dramático.

O espaço dramático é construído quando fazemos para nós mesmos uma imagem da estrutura dramática do universo da peça: esta imagem é construída pelas personagens, pelas ações e pelas relações dessas personagens no desenrolar da ação.

Para que esta projeção do espaço dramático se realize, não é necessária nenhuma encenação: a leitura do texto basta para dar conta ao leitor uma imagem espacial do universo dramático. Construímos esse espaço a partir das indicações cênicas do autor e das indicações espaços-temporais, nos diálogos (cenário falado). Cada espectador, conseqüentemente, tem sua própria imagem subjetiva do espaço dramático.

O espaço dramático está em perpétuo movimento e só se tornará realmente concreto e visível quando uma encenação figura algumas das relações espaciais implicadas no texto dramático.

Referência:

PALLOTTINI, Renata. O que é dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 2005


 
 
 

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