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A ENTREVISTA

  • Rubem Fonseca
  • 6 de mai. de 2015
  • 3 min de leitura

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M – Dona Gisa me mandou aqui. Posso entrar?

H – Entra e fecha a porta.

M – Está escuro aqui dentro. Onde é que acende a luz?

H – Deixa assim mesmo.

M – Como é o seu nome mesmo?

H – Depois eu digo,

M – Essa é boa!

H – Senta aí.

M- Tem alguma coisa para beber? Eu estou com vontade de beber. Ah, estou tão cansada!

H – Nesse armário aí tem bebida e copos. Sirva-se.

M – Você não bebe?

H – Não. Como foi que você veio para o Rio?

M – Peguei carona num fusca.

H – São mais de quatro mil quilômetros, você sabia?

M – Demorei muito, mas cheguei. Só tinha a roupa do corpo, mas não poderia

perder tempo.

H – Por que você veio?

M – Há, há, há, ai meu Deus! Que coisa... só rindo.

H – Por quê?

M – Você quer saber?

H – Quero?

M – Meu marido. Vivemos quatro anos felizes, felizes até demais. Depois acabou.

H – Como acabou?

M – Por causa de outra mulher. Uma garota que andava com ele. Eu estava grávida. Há, há, só rindo, ou chorando, sei lá...

H – Você estava grávida...

M – No dia 13 de outubro jantávamos no restaurante, quando surgiu essa garota, que ele andava namorando. Meu marido estava bêbado e olhava para ela de maneira debochada, e então ela não agüentou mais e se aproximou de nossa mesa, falou em segredo no ouvido dele e eles se beijaram na boca, como se estivessem sozinhos no mundo. Eu fiquei louca; quando dei conta de mim, estava com um caco de garrafa na mão e tinha arrancado a blusa dela, uma dessas camisas de meia que deixa o busto bem destacado.

H – Sei... Continua.

M – Dei vários golpes com o caco de garrafa no peito dela, com tanta força que saiu um nervo para fora, de dentro do seio. Quando viu aquilo, meu marido me deu um soco na cara, bem em cima do olho; só por um milagre não fiquei cega. Fugi correndo para casa. Ele atrás de mim. Eu gritava por socorro para ver se os meus parentes ouviam, eles moravam perto de mim. Porque eu não sou cão sem dono, ouviu? Ainda ontem eu dizia na casa de dona Gisa, para uma moça, que não posso dizer que seja minha amiga, nesta vida ninguém tem amigo, nós apenas fazemos programas junto, eu dizia para ela, eu estou aqui mas não sou cão sem dono, quem encostar um dedo em mim vai ter que se ver com minha família.

H – Mas agora eles estão lá no norte, muito longe...

M – Parece que estou num teatro, há, há,...

H – Você fugiu gritando por socorro. Continue.

M – Eu me tranquei dentro do quarto, enquanto meu marido quebrava todos os móveis

da casa. Depois ele arrombou a porta do quarto e me jogou no chão e foi me arrastando pelo chão enquanto me dava pontapés na barriga. Ficou uma mancha de sangue no chão, do sangue que saiu da minha barriga. Perdi nosso filho.

H – Era um menino?

M – Era.

H – Continue.

M – Meu pai e meus cinco irmãos apareceram na hora em que ele estava chutando a minha barriga e deram tanto nele, mas tanto, que pensei que ele ia ser morto de pancada; só deixaram de bater depois que ele desmaiou e todos cuspiram e urinaram na cara dele.

H – Depois disso você não o viu mais?

M – Uma vez, de longe, no dia em que vim embora. Ele veio me ver de muletas, com as pernas engessadas, parecia um fantasma. Mas eu não falei com ele, saí pela porta dos fundos, eu sabia o que ele ia dizer.

H – O que é que ele ia dizer?

M – Ele ia pedir perdão, pedir para voltar, ia dizer que os homens eram diferentes.

H – Diferentes?

M – É, que podiam ter amantes, que é assim a natureza deles. Eu já tinha ouvido aquela conversa antes, não queria ouvir novamente. Eu queria conhecer outros homens e ser feliz.

H – E você conheceu outros homens?

M – Muitos e muitos.

H – E é feliz?

M – Sou, você pode não acreditar, levando a vida que eu levo, mas sou feliz.

H – E não se lembra mais do seu marido?

M – Lembro dele apoiado nas muletas...

Me disseram que ele anda atrás de mim e carrega um punhal para me matar. Posso

acender as luzes?

H – Pode. E você não tem medo de ser achada por ele?

M – Já tive, agora não tenho mais... Vamos, que é que você está esperando?


 
 
 

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