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Outras velhices

  • Marcos Emanoel
  • 10 de mai. de 2015
  • 3 min de leitura

SS - Aqui?

JA - Não.

SS- Aqui?

JÁ- Hum, deixa eu tocar. Não,mais para a esquerda, perto desta conchinha aqui.

SS- Pronto, pode se sentar.

JA - É que ainda não está assim tão exatamente perto da conchi.... eeahhh, eahhhhhh, aiiiiii. Ufffffs.

SS - Vermelho...Vermelho, tudo bem? Cospe, cospe aqui na minha mão cospe.

JÁ - Abre o guarda- chuva grande, meu amor. Por favor.

SS- Sim, claro.

JÁ - E então?

SS - Então o que?

JÁ - Como ele está?

SS - ... Constante, súbito e bravo, constante. Imenso, dócil...

JÁ - Bravo ou dócil?

SS - Uma força dessas sabem ser ambas né?

JÁ - Rum...

SS - Vermelho? Meu amor? Vermelho? Vermelho!

JA - Oie, hum...tss, Abre o guarda-chuva grande, meu amor! O que não esta rasgado e que guarda areia.

SS - Enquanto eu o abria, você dormiu meu senhor.

JA - Foi um leve descanso. Um senhor não pode vir a praia num dia de...Mas será possivel? Dormi. Dormi mesmo! Dormi, sim.

SS - Calma, calma, calma, Rei Lear...Foi somente uma brincadeira tá bom? Vai de sanduiche de geléia de amora ou pêssegos em calda?

JA - Chalah! Chalah e suco de goiaba. Já se bebeu muito suco de goiaba nessa “Republica federativa cheia de arvores e gente dizendo adeus”.

SS - Escuta...

JA - “Perá”, Xiuuuuuuuu...ouveee, “Chabuuuuuuuum”, “tzzssss”, “Caboooooooooow”, e venta, e venta. Depois que esse breu fez morada em mim, cada som agora lambe os ouvidos, sabe menino.

SS - Tó Vermelho, seu Chalah. Estende a mão!

JÁ - As goiabas não são as mesmas, as goiabas! Ahhhhhhus...ergh, erham, é....

SS - Calma vermelho, respira! Respira por favor, somente nesse clima para você vir aqui e ainda sim...

JA - Me dá uma fralda de pano, dá? Diz-se da terra, que tudo já foi descoberto, embora nos pareça que há tudo por se descobrir. Nós somos burros! Emocionalmente sobretudo.

SS - Eita! Apertou vermelho! Vamos embora, vamos!

JA - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh agora não! De jeito algum! Vem para debaixo do guarda agua menino, vem e escuta isso, vê com os ouvidos, mastiga este momento, mastiga!

SS - Olha lá...Lá perto das pedras, Vermelho, aquelas crianças?

JA - Onde? Me fala?

SS - Lá no fundo, lá longe. Desculpa Velho, não foi por mal.

JÁ - Deixa de ser idiota hã, que menino!

SS- Tá bem.

JÁ - Nossa como correm! Como correm né?

SS - É.

JA - O mesmo mar que me trouxe a esta terra, é o que ira de me levar. Que ao menos isto permaneça sobre minha vontade. Meias ralas até a dobra das canelas linguidas, cabelo escuro finiiiiiiiiinho, brilhoso. Camisa de golinha curta amarelo- pastel, oito botões, quinto de uma família de sete irmãos. O ano?1938. A cidade? Não lembro! Sei que era Pernanbuco, meu pai conseguiu um serviço num engenho açucareiro onde trabalhava feito bicho.

SS - Trabalhava feito B-I-C-H-O!

JA - Huhum. E quando chegava na casinha de taipa de mão feita embaixo de sol, indagava: “ Quem te fez com ferro, fez com fogo, Wladymir”.Tudo em indiche.

SS - Poxa!

JÁ - Hoje fazem exatos, setenta e sete anos! Noite fria, fogueira quente, fogos no céu.

SS - Vamos embora, vamos? Tô ficando com frio, to precisando de uma bebida quente.

JA - Você terá de encontrar alguém na minha ausência menino Vamos embora, vamos!

SS - Fica tranquilo vermelho, no ano passado me casei! Teve bolo de milho, cobra, pescaria e prisão. Duas horas de um matrimonio fervido a gengibre e canela.

JA - Como você não me conta uma coisa desta importância seu tolo?

SS - Mas não tem validade civil não Rei Lear!

JA - Como assim?

SS - Foi casamento de coração, sem papel sabe, feito em festa de São João. Casamento que não pede voto nem anel não.

JA - Eita, escuta, Numa noite daquelas, acordei sobre uma luz perpassava a sala pequena e corria. Ainda deitado eu olhei para os lados para ver se mais alguém estava acordado, não vi ninguém. Naquele tempo, em algumas casas os despertares ainda eram escuros. Corri para a janela e vi, já meio sumindo a luz de um balão correndo o cerco de mata negra em torno do canavial, corri.

SS - E ai?

JA - Ai fui deixando as pernas irem, o orvalho era regente,de passo. Agora eu percebia que ali era mesmo uma terra quente, de gente quente e feliz, e desconhecida a si mesmo e do próprio caminho, como diziam na minha terra antiga. Fui avistando ainda que de longe o pé de uma foqueira grande, aconchegada de brasa quente e cheia de fitilhas no ar, conforme fui me aproximando vi toda aquela gente do engenho dançando e cantando, e sem perceber...

SS - Vermelho...

As crianças lá das pedras, tão te perguntando agora com os olhos, se elas podem correr com você pela fogueira a fora.


 
 
 

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